Maestro Jorge Antunes

Maestro Jorge Antunes:
"A vida imita a arte. Por isso eu faço música engajada politicamente, em busca da justiça social."

sábado, 10 de julho de 2010

Os empresários bonzinhos e as doações de campanha


Jorge Antunes

Em 9 de novembro de 2002 o Correio Braziliense publicou matéria intitulada "Prestação de contas", em que eram dados alguns detalhes sobre o financiamento de campanha, no primeiro turno, dos candidatos à Presidência da República. Algumas das informações revelavam um interesse incomum, de empresários, pelo bem do Brasil. Em 23 de setembro de 2002 o Vox Populi divulgou pesquisa em que Garotinho empatava com Ciro Gomes: em 48 horas a Schincariol e a Construtora Camargo Corrêa despejaram R$ 800 mil na conta do PSB, partido ao qual Garotinho era filiado.
Muitos outros bondosos empresários, sempre legalmente no esquema do caixa um, estiveram preocupados com a felicidade de nosso país, percebendo que tão bons presidenciáveis precisavam de apoio financeiro. Em 4 de outubro, a dois dias do primeiro turno, mais R$ 940 mil foram doados à campanha de Garotinho pela Companhia Siderúrgica Nacional, pela Construtora Camargo Corrêa e pela Sergen Engenharia.
É fácil concluir acerca da benevolência dos empresários. Observe-se que, ao fazerem doações para a campanha eleitoral, as empresas e os empresários não têm qualquer incentivo fiscal. Não existe uma lei rouanet ou uma lei sarney para doações de campanha. Os doadores usam dinheiro de seus próprios lucros ou de suas próprias riquezas pessoais, sem qualquer dedução no imposto de renda. Talvez outras leis existam para explicar essa generosidade. Poderíamos falar em lei da selva, lei do mais forte, lei da oferta e da procura ou, até mesmo, em leiloamento, mas o fenômeno, previsto em lei, nada tem a ver com a conhecida lei do mecenato.
Tudo aqui comentado – lembremos ao leitor – se refere ao caixa um, previsto em lei. Várias perguntas imediatamente nos acorrem quando pensamos na questão. Por que o legislador permite que empresas e empresários façam doações para campanhas políticas? O quê leva o legislador a imaginar que existirão empresas e empresários interessados em financiar campanhas? A troco de quê eles fariam tais doações?
A mesma matéria do Correio nos contava que o grupo Gerdau doou R$ 1,315 milhão ao candidato Ciro Gomes. A Votorantim, do empresário Antonio Ermírio de Moraes, que apareceu no programa eleitoral pedindo votos para José Serra, doou R$ 400 mil para a campanha de Ciro.
É muito comum essa magnanimidade do capital: a mesma empresa faz doações a diferentes candidatos adversários entre si. No jogo do bicho a estratégia é velha conhecida: o ato de cercar o bicho pelos sete lados aumenta as chances de sucesso. Em época de eleições uma espécie de jogão do bicho se promove, com grandes somas despejadas pelos sete lados do lodaçal.
Guardo com carinho, em meu implacável arquivo pessoal, duas cartas das Indústrias Votorantim, uma delas assinada pelo próprio Antonio Ermírio de Moraes, o mesmo que em 2002 doou R$ 400 mil para a campanha de Ciro Gomes. São missivas, da mesma época, que me informam acerca da falta de recursos da empresa para atender meu pedido de R$ 400 mil para projetos culturais. Minha ópera Olga e minha Cantata dos Dez Povos, projetos que contavam com o aval do Ministério da Cultura para captação de recursos com os benefícios da Lei do Mecenato, não podiam então sair do papel.
O empresário poderia conceder verba aos projetos culturais, com desconto no imposto de renda. Não o fez. Sem usar de incentivo fiscal, entretanto, foi possível encher as burras dos tesoureiros de campanha de diferentes candidatos. Tudo, repito, dentro do caixa um. Poderíamos, então, chegar a interessante conclusão. Em época eleitoral o empresário abdica do direito de ter isenção fiscal. Vincular seu produto a um evento cultural, em período de eleições, não garante um Brasil promissor para as gerações futuras. O empresário é tão magnânimo, tão patriota, tão bonzinho, que prefere dividir sua fortuna, sem qualquer interesse pessoal, sem isenções fiscais, com candidatos maravilhosos e honestos, cumpridores das leis, tementes a Deus, que hão de cumprir suas promessas de manutenção de um status quo que perpetuará a exploração do homem pelo homem.
A conclusão a que chego, essa que reconhece a existência do empresário bonzinho, pode ser contestada por qualquer um. Outros poderão chegar a outras conclusões. Estes, por questão de coerência, deveriam ficar atentos e destinar seus votos aos candidatos que não aceitem doações através de caixa dois, mas que também não aceitem doações através do caixa um, apesar de a lei permitir. Nem toda lei é legítima. Nem toda lei cheira bem. Tem lei que pega facilmente porque é podre desde seu nascedouro.

Um comentário:

R Lucas Bezerra disse...

O autor, maestro Jorge Antunes, nos oferece uma leitura muita clara, para não dizer sinistra, acerca do comportamento de cidadãos endieirados e o vício que cultua em apoiar tão generosamente projetos e pessoas que pouco ou quase nada contribuem para uma mudança correta e sustentável do nosso quadro político e , sobretudo, social. A simples recusa em apoiar um projeto cultural, como sentiu na própria carne o compositor, Jorge Antunes, ao ver negado apoio pelo Grupo Votorantin, nos mostra o descompromisso desse moderno oligarca paulista, Antonio Ermírio de Morais. E ainda, descaradamente, repetiu e repete a insensível escolha do voto pela "facção paulista" do PSDB. Sempre a mesma e os mesmos: Serra, Alkimin, FHC (esse de memória tão lamentável) se esconde nos camarins do próprio PSDB e do DEM. Fora a facção paulista do PSDB, ninho de inspiração de outra facção também paulista - o PCC.