JORGE ANTUNES
maestro, compositor, professor titular da UnB, pesquisador
do CNPq e pré-candidato ao Senado pelo PSOL-DF
O atual governo biônico do DF, tal como os governos anteriores, despreza totalmente a cultura local. Isso é lamentável e precisa ser corrigido. Neste começo do mês de junho, por exemplo, a Secretaria de Cultura e o Fundo de Apoio à Cultura deveriam estar dando atenção especial a manifestações culturais alusivas às tradicionais festas juninas.
Já é raro, em Brasília, vermos jovens malhando judas no Sábado de Aleluia. Esse processo de extinção de algumas de nossas tradicionais manifestações culturais faz aumentar nossa indignação quando vemos consagrada a importação do halloween ianque.
Creio que a chamada intelectualidade tem grande parcela de culpa nesse triste processo de morte e esquecimento de nossas ricas tradições populares.
Desde 1875, quando surgiu nos cabarés da Lapa, o maxixe era abominado pela intelectualidade. Os eruditos torceram tanto o nariz que, quatro décadas depois, a polícia proibiu a prática da dança em razão da lascívia de seus praticantes. A baixaria só veio a ser reconhecida como arte quando Mário de Andrade, já nos anos 30, qualificou o maxixe como a primeira dança genuinamente brasileira e estudou sua gênese sincopada da cultura afro-lusitana.
Esse tipo de história, em que intelectualóides condenam a arte popular e a arte comercial, viria a se repetir com a Geração Paissandu, no Rio. Os jovens intelectualizados dos anos 60, frequentadores do Cine Paissandu, passaram a se apaixonar pelas musas de Godard depois de muito torcerem o nariz para as chanchadas da Atlântida. Enquanto Anna Karina e Anne Wyazenski eram cultuadas no Paissandu da Rua Senador Vergueiro, astros como Eliana, Oscarito, Cyl Farney e Adelaide Chioso, na tela do Poeira da Rua Larga, eram repudiados pelos intelectuais. Hoje a Chanchada é matéria de estudo na Universidade, cultuada de modo científico, e é assunto de inúmeras teses acadêmicas nas áreas de Cinema e Comunicação.
Por essas e outras eu não condeno os tchans, as bundas televisivas, as danças da garrafa, os rebolations e nem as eguinhas pocotós. Estou certo de que dentro de uns 30 anos, teses e mais teses estarão, na Academia, estudando o comportamento e a semiologia das eguinhas rapidinhas dos bailes funks, e a estética e estilística de poucos tons dos pocotós. Já vislumbro defesa de tese no Anfi 9 da UnB, em 2040: "A interdisciplinaridade como forma de hibridismo na eguinha pocotó, sob um olhar fenomenológico e calipigista".
O Distrito Federal pulsa culturalmente de modo multifacetado. As programações de teatros, cinemas e outros espaços, divulgadas semanalmente em nossa cidade, refletem plenamente o caleidoscópio cultural. A cidade fervilha com duplas caipiras, concertos sinfônicos, filmes, música popular, música de câmara, memória, teatro, fotos, exposições, esporte, artes plásticas, etc.
Mas, convenhamos, não há equanimidade. Duas vertentes estéticas são discriminadas: a arte popular autêntica de raíz e a arte contemporânea de vanguarda. Os produtos massificados, em geral de vida efêmera, têm apoio do Estado, da Mídia, dos banqueiros, da Indústria e do Comércio. A arte tradicional e a arte nova esperneiam desesperadas para sobreviver.
Sempre existirão empresários que queiram destinar parte de seus impostos a projetos culturais. Mas, evidentemente, eles só o farão para os projetos que lhes dêem retorno imediato. É bom e barato, para o empresário, associar sua marca e seus produtos a manifestações culturais que atingem facilmente um grande público: música popularesca; teatro de artistas globais; duplas que habitam frequentemente as domingueiras televisivas; música clássica e romântica consumida rápidamente por esnobes, dondocas e itamaratacas; ...
O neoliberalismo brasileiro agudizou o problema porque o Estado, na onda de tudo privatizar, abdicou de seu dever de apoiador da Cultura: deu ao empresariado, através das Leis de Incentivo, o papel de promotor e censor artístico-cultural. O empresário destina seus impostos, dinheiro público, apenas para a Cultura de consumo vasto, garantindo a lucrativa exposição de sua imagem e de seus produtos.
A revisão das leis de incentivo fiscal para a cultura deveria, para contemplar a arte nova, experimental, ainda de pequeno público, partir para outros caminhos. Por exemplo, não deveria ser dado ao empresário o direito de escolher o projeto para o qual seria destinado seu imposto. O empresário não é confiável para esse mister. A ele não interessa investir em arte que possivelmente só terá grande público no futuro, em platéias das gerações futuras. Essa fatia do dinheiro público, oriunda da renúncia fiscal, deveria ser destinada a um fundo cultural administrado pelo Estado, através de comissões representativas de artistas e estetas.
Ironicamente alguns chamam essas leis de Leis do Mecenato. Pelo menos essa ignomínia ao Sr. Mecenas deveria ser condenada. Os ossos de Caius Cilnius Maecenas, que em vida abriu suas e outras portas aos artistas, latejam de revolta em alguma tumba de Arezzo sempre que a palavra mecenato é pronunciada no Brasil.
Pode ser enriquecedor, para nossa cultura, a assimilação autofágica de influências externas. Mas deve caber ao governo, em política compensatória, lutar para que nossa cultura tradicional ou autóctone não seja extinta. Este mês de junho seria o momento de se apoiar incondicionalmente, com liberação de verbas a fundo perdido, os grupos de danças folclóricas, os casamentos na roça, o assar de batata doce nas fogueiras, as festas sob bandeirolas e lanternas coloridas, tudo ao som de sanfonas e aos sabores de cocadas e pés-de-moleque. Estes meses de junho e julho seriam momentos oportunos para, colocadas no xadrez as quadrilhas que infestam o poder, dar poder às festas dos grupos de quadrilha.
maestro, compositor, professor titular da UnB, pesquisador
do CNPq e pré-candidato ao Senado pelo PSOL-DF
O atual governo biônico do DF, tal como os governos anteriores, despreza totalmente a cultura local. Isso é lamentável e precisa ser corrigido. Neste começo do mês de junho, por exemplo, a Secretaria de Cultura e o Fundo de Apoio à Cultura deveriam estar dando atenção especial a manifestações culturais alusivas às tradicionais festas juninas.
Já é raro, em Brasília, vermos jovens malhando judas no Sábado de Aleluia. Esse processo de extinção de algumas de nossas tradicionais manifestações culturais faz aumentar nossa indignação quando vemos consagrada a importação do halloween ianque.
Creio que a chamada intelectualidade tem grande parcela de culpa nesse triste processo de morte e esquecimento de nossas ricas tradições populares.
Desde 1875, quando surgiu nos cabarés da Lapa, o maxixe era abominado pela intelectualidade. Os eruditos torceram tanto o nariz que, quatro décadas depois, a polícia proibiu a prática da dança em razão da lascívia de seus praticantes. A baixaria só veio a ser reconhecida como arte quando Mário de Andrade, já nos anos 30, qualificou o maxixe como a primeira dança genuinamente brasileira e estudou sua gênese sincopada da cultura afro-lusitana.
Esse tipo de história, em que intelectualóides condenam a arte popular e a arte comercial, viria a se repetir com a Geração Paissandu, no Rio. Os jovens intelectualizados dos anos 60, frequentadores do Cine Paissandu, passaram a se apaixonar pelas musas de Godard depois de muito torcerem o nariz para as chanchadas da Atlântida. Enquanto Anna Karina e Anne Wyazenski eram cultuadas no Paissandu da Rua Senador Vergueiro, astros como Eliana, Oscarito, Cyl Farney e Adelaide Chioso, na tela do Poeira da Rua Larga, eram repudiados pelos intelectuais. Hoje a Chanchada é matéria de estudo na Universidade, cultuada de modo científico, e é assunto de inúmeras teses acadêmicas nas áreas de Cinema e Comunicação.
Por essas e outras eu não condeno os tchans, as bundas televisivas, as danças da garrafa, os rebolations e nem as eguinhas pocotós. Estou certo de que dentro de uns 30 anos, teses e mais teses estarão, na Academia, estudando o comportamento e a semiologia das eguinhas rapidinhas dos bailes funks, e a estética e estilística de poucos tons dos pocotós. Já vislumbro defesa de tese no Anfi 9 da UnB, em 2040: "A interdisciplinaridade como forma de hibridismo na eguinha pocotó, sob um olhar fenomenológico e calipigista".
O Distrito Federal pulsa culturalmente de modo multifacetado. As programações de teatros, cinemas e outros espaços, divulgadas semanalmente em nossa cidade, refletem plenamente o caleidoscópio cultural. A cidade fervilha com duplas caipiras, concertos sinfônicos, filmes, música popular, música de câmara, memória, teatro, fotos, exposições, esporte, artes plásticas, etc.
Mas, convenhamos, não há equanimidade. Duas vertentes estéticas são discriminadas: a arte popular autêntica de raíz e a arte contemporânea de vanguarda. Os produtos massificados, em geral de vida efêmera, têm apoio do Estado, da Mídia, dos banqueiros, da Indústria e do Comércio. A arte tradicional e a arte nova esperneiam desesperadas para sobreviver.
Sempre existirão empresários que queiram destinar parte de seus impostos a projetos culturais. Mas, evidentemente, eles só o farão para os projetos que lhes dêem retorno imediato. É bom e barato, para o empresário, associar sua marca e seus produtos a manifestações culturais que atingem facilmente um grande público: música popularesca; teatro de artistas globais; duplas que habitam frequentemente as domingueiras televisivas; música clássica e romântica consumida rápidamente por esnobes, dondocas e itamaratacas; ...
O neoliberalismo brasileiro agudizou o problema porque o Estado, na onda de tudo privatizar, abdicou de seu dever de apoiador da Cultura: deu ao empresariado, através das Leis de Incentivo, o papel de promotor e censor artístico-cultural. O empresário destina seus impostos, dinheiro público, apenas para a Cultura de consumo vasto, garantindo a lucrativa exposição de sua imagem e de seus produtos.
A revisão das leis de incentivo fiscal para a cultura deveria, para contemplar a arte nova, experimental, ainda de pequeno público, partir para outros caminhos. Por exemplo, não deveria ser dado ao empresário o direito de escolher o projeto para o qual seria destinado seu imposto. O empresário não é confiável para esse mister. A ele não interessa investir em arte que possivelmente só terá grande público no futuro, em platéias das gerações futuras. Essa fatia do dinheiro público, oriunda da renúncia fiscal, deveria ser destinada a um fundo cultural administrado pelo Estado, através de comissões representativas de artistas e estetas.
Ironicamente alguns chamam essas leis de Leis do Mecenato. Pelo menos essa ignomínia ao Sr. Mecenas deveria ser condenada. Os ossos de Caius Cilnius Maecenas, que em vida abriu suas e outras portas aos artistas, latejam de revolta em alguma tumba de Arezzo sempre que a palavra mecenato é pronunciada no Brasil.
Pode ser enriquecedor, para nossa cultura, a assimilação autofágica de influências externas. Mas deve caber ao governo, em política compensatória, lutar para que nossa cultura tradicional ou autóctone não seja extinta. Este mês de junho seria o momento de se apoiar incondicionalmente, com liberação de verbas a fundo perdido, os grupos de danças folclóricas, os casamentos na roça, o assar de batata doce nas fogueiras, as festas sob bandeirolas e lanternas coloridas, tudo ao som de sanfonas e aos sabores de cocadas e pés-de-moleque. Estes meses de junho e julho seriam momentos oportunos para, colocadas no xadrez as quadrilhas que infestam o poder, dar poder às festas dos grupos de quadrilha.
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