Jorge
Antunes
Por
favor, não confunda Jericó com jerico. Hoje vamos pegar em armas,
nossas buzinas, mas estejamos certos de que muitos jericos ainda
continuarão a falar em nosso nome, dizendo nos representar. Hoje não
é 11 de setembro: é um simples 11 de julho. O foco de nossas
trombetas, hoje, é um só: Torres. Mas a vez dos outros chegará.
Não
estaremos inovando, hoje ao meio-dia, quando em torno do Congresso
Nacional soarmos nossas trombetas. Fizemos isso em 1984 quando demos
início à derrubada das muralhas da ditadura. Mas também ali, há
28 anos, não estávamos inovando. O povo já agia dessa forma há
mais de 3 mil anos. Na famosa batalha de Jericó, nos idos do século
13 a.C., trombetas –muitas delas– se ouviram. A população
escutou estrondoso e mágico som. Resultado: as muralhas ruíram.
No
Livro de Josué encontramos a narração dos fatos: "Gritou,
pois, o povo, e os sacerdotes tocaram as trombetas. Tendo ouvido o
povo o som das trombetas e levantado grande grito, ruíram as
muralhas, e o povo subiu à cidade, cada qual em frente de si, e a
tomaram.”
Nossa
ação, embora aguerrida, é poética, pacífica e musical. Nos
tempos de Josué o bicho pegava feio: “Tudo
quanto na cidade havia destruíram totalmente a fio de espada, tanto
homens como mulheres, tanto meninos como velhos, também bois,
ovelhas e jericos.” (Josué
6:20-21).
Jerico
é um dos nomes dados ao jumento, o conhecido animal mamífero
perissodáctilo (Equus
asinus),
que recebe também o nome de asno. Ele é facilmente domesticável,
muito difundido no mundo e utilizado desde tempos imemoriais como
animal de tração e carga. Interesses escusos, externos a seu
habitat, os domesticam por meio de um alimento chamado propina. Esta
palavrinha tão simpática vem do Latim: propino,
as, avi, atum, are. Ela
significa dádiva, gorjeta, gratificação. Mas etimologicamente quer
dizer “dar a beber”. Em outras palavras, o estudo etimológico
nos leva à compreensão do fenômeno através do qual o suor e o
sangue do povo é bebido, sorvido com sofreguidão pelos jericos.
Jericos
são usados para tração e carga. Servem para realizarem
deslocamentos importantes. Caixas e malas cheias de denaro,
colocadas à disposição desses asnos, são deslocadas, por mais
pesadas que sejam, para lugares distantes e inatingíveis. A força
do animal é grande. Jericos são usados para transporte de cargas.
Empresários, empreiteiros e outros profissionais, resolvem seus
problemas de carga tributária com a ajuda dos asnos. Algumas vezes
outras classes se sentem prejudicadas. Mas os jericos voltam à
carga. Servem àqueles cujas cargas horárias são livres, não
precisando trabalharem muito.
Jericó
é outra coisa. É uma cidade que tem mais de 9 mil anos. Na Bíblia
hebraica ela está presente na descrição do encontro da Terra
Prometida: "Então,
subiu Moisés das campinas de Moabe ao monte Nebo, ao cimo de Pisga,
que está defronte de Jericó; e o Senhor lhe mostrou toda a terra de
Gileade até Dã."
(Deuteronômio 34:1).
Jericó
é também referência importante no Novo Testamento: em Mateus, em
Marcos, em Lucas e na Epístola aos Hebreus. A cidade está situada
às margens do rio Jordão, a aproximadamente 27 km de Jerusalém. É
conhecida como o lugar do retorno dos escravos, liderados por Josué,
o sucessor de Moisés. Ou seja, foi uma espécie de quilombo. O povo
pobre, perseguido e explorado ali acorria em busca de trabalho,
liberdade, cidadania e felicidade.
Aqui
também vivemos fenômeno semelhante, quando o povo pobre
trabalhador, no final dos anos 1950, aqui acorreu em busca da
construção da terra prometida. O primeiro assentamento permanente
de Jericó foi construído próximo a Ein as-Sultan, entre 8000 e
7000 a.C. Vários assentamentos foram construídos em seguida.
Evidentemente, cidades-satélites surgiriam.
Dominadores
de Jericó, ao longo da História, foram vários: califados,
dinastias, cruzados. Estes últimos reconstruíram mosteiros e
igrejas novas: igrejinhas. Os cruzados, na verdade, determinaram a
desgraça do povo. Fenômeno parecido com a catástrofe, aqui,
provocada pelos Planos Cruzados.
Tal
como aqui, em Jericó houve golpes militares. O Livro de Jeremias
descreve o fim do rei da Judéia, Zedequias, quando ele foi derrubado
em Jericó: "Mas
o exército dos caldeus os perseguiu e alcançou a Zedequias nas
campinas de Jericó; eles o prenderam e o fizeram subir a Ribla, na
terra de Hamate, a Nabucodonosor, rei da Babilônia, que lhe
pronunciou a sentença." (Jeremias
39:5).
Na
parábola do Bom Samaritano Jesus faz menção a um certo homem que
estava a caminho de Jericó. Mas é preciso não confundir um certo
homem com um homem certo. “Um
homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de bandidos
que o espancaram, deixando-o meio morto. ... Juízes e autoridades
deixaram-no de lado. Mas um samaritano deitou azeite e vinho em suas
feridas”.
Jericó
foi desde o início um centro administrativo. Foi um estado
particular para Alexandre o Grande. Depois veio a ser dominada por
generais que construíram alguns fortes.
Cleópatra
arrendou Jericó para Heródes. Ele supervisionou a construção do
hipódromo-teatro (Tel
es-Samrat)
para divertir seus convidados. Algo parecido com o que acontece em
Brasília com o Mané Garrincha.
Às
trombetas! O Livro de Josué nos ensina. Torres, muralhas, corruptos,
jericos, não se sustentarão eternamente se bem afinarmos os
decibéis de nossas buzinas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário