Maestro Jorge Antunes

Maestro Jorge Antunes:
"A vida imita a arte. Por isso eu faço música engajada politicamente, em busca da justiça social."

terça-feira, 10 de julho de 2012

Ao buzinar, não confunda Jericó com jerico





Jorge Antunes

Por favor, não confunda Jericó com jerico. Hoje vamos pegar em armas, nossas buzinas, mas estejamos certos de que muitos jericos ainda continuarão a falar em nosso nome, dizendo nos representar. Hoje não é 11 de setembro: é um simples 11 de julho. O foco de nossas trombetas, hoje, é um só: Torres. Mas a vez dos outros chegará.
Não estaremos inovando, hoje ao meio-dia, quando em torno do Congresso Nacional soarmos nossas trombetas. Fizemos isso em 1984 quando demos início à derrubada das muralhas da ditadura. Mas também ali, há 28 anos, não estávamos inovando. O povo já agia dessa forma há mais de 3 mil anos. Na famosa batalha de Jericó, nos idos do século 13 a.C., trombetas –muitas delas– se ouviram. A população escutou estrondoso e mágico som. Resultado: as muralhas ruíram.
No Livro de Josué encontramos a narração dos fatos: "Gritou, pois, o povo, e os sacerdotes tocaram as trombetas. Tendo ouvido o povo o som das trombetas e levantado grande grito, ruíram as muralhas, e o povo subiu à cidade, cada qual em frente de si, e a tomaram.”
Nossa ação, embora aguerrida, é poética, pacífica e musical. Nos tempos de Josué o bicho pegava feio: “Tudo quanto na cidade havia destruíram totalmente a fio de espada, tanto homens como mulheres, tanto meninos como velhos, também bois, ovelhas e jericos.” (Josué 6:20-21).
Jerico é um dos nomes dados ao jumento, o conhecido animal mamífero perissodáctilo (Equus asinus), que recebe também o nome de asno. Ele é facilmente domesticável, muito difundido no mundo e utilizado desde tempos imemoriais como animal de tração e carga. Interesses escusos, externos a seu habitat, os domesticam por meio de um alimento chamado propina. Esta palavrinha tão simpática vem do Latim: propino, as, avi, atum, are. Ela significa dádiva, gorjeta, gratificação. Mas etimologicamente quer dizer “dar a beber”. Em outras palavras, o estudo etimológico nos leva à compreensão do fenômeno através do qual o suor e o sangue do povo é bebido, sorvido com sofreguidão pelos jericos.
Jericos são usados para tração e carga. Servem para realizarem deslocamentos importantes. Caixas e malas cheias de denaro, colocadas à disposição desses asnos, são deslocadas, por mais pesadas que sejam, para lugares distantes e inatingíveis. A força do animal é grande. Jericos são usados para transporte de cargas. Empresários, empreiteiros e outros profissionais, resolvem seus problemas de carga tributária com a ajuda dos asnos. Algumas vezes outras classes se sentem prejudicadas. Mas os jericos voltam à carga. Servem àqueles cujas cargas horárias são livres, não precisando trabalharem muito.
Jericó é outra coisa. É uma cidade que tem mais de 9 mil anos. Na Bíblia hebraica ela está presente na descrição do encontro da Terra Prometida: "Então, subiu Moisés das campinas de Moabe ao monte Nebo, ao cimo de Pisga, que está defronte de Jericó; e o Senhor lhe mostrou toda a terra de Gileade até Dã." (Deuteronômio 34:1).
Jericó é também referência importante no Novo Testamento: em Mateus, em Marcos, em Lucas e na Epístola aos Hebreus. A cidade está situada às margens do rio Jordão, a aproximadamente 27 km de Jerusalém. É conhecida como o lugar do retorno dos escravos, liderados por Josué, o sucessor de Moisés. Ou seja, foi uma espécie de quilombo. O povo pobre, perseguido e explorado ali acorria em busca de trabalho, liberdade, cidadania e felicidade.
Aqui também vivemos fenômeno semelhante, quando o povo pobre trabalhador, no final dos anos 1950, aqui acorreu em busca da construção da terra prometida. O primeiro assentamento permanente de Jericó foi construído próximo a Ein as-Sultan, entre 8000 e 7000 a.C. Vários assentamentos foram construídos em seguida. Evidentemente, cidades-satélites surgiriam.
Dominadores de Jericó, ao longo da História, foram vários: califados, dinastias, cruzados. Estes últimos reconstruíram mosteiros e igrejas novas: igrejinhas. Os cruzados, na verdade, determinaram a desgraça do povo. Fenômeno parecido com a catástrofe, aqui, provocada pelos Planos Cruzados.
Tal como aqui, em Jericó houve golpes militares. O Livro de Jeremias descreve o fim do rei da Judéia, Zedequias, quando ele foi derrubado em Jericó: "Mas o exército dos caldeus os perseguiu e alcançou a Zedequias nas campinas de Jericó; eles o prenderam e o fizeram subir a Ribla, na terra de Hamate, a Nabucodonosor, rei da Babilônia, que lhe pronunciou a sentença." (Jeremias 39:5).
Na parábola do Bom Samaritano Jesus faz menção a um certo homem que estava a caminho de Jericó. Mas é preciso não confundir um certo homem com um homem certo. “Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de bandidos que o espancaram, deixando-o meio morto. ... Juízes e autoridades deixaram-no de lado. Mas um samaritano deitou azeite e vinho em suas feridas”.
Jericó foi desde o início um centro administrativo. Foi um estado particular para Alexandre o Grande. Depois veio a ser dominada por generais que construíram alguns fortes. Cleópatra arrendou Jericó para Heródes. Ele supervisionou a construção do hipódromo-teatro (Tel es-Samrat) para divertir seus convidados. Algo parecido com o que acontece em Brasília com o Mané Garrincha.
Às trombetas! O Livro de Josué nos ensina. Torres, muralhas, corruptos, jericos, não se sustentarão eternamente se bem afinarmos os decibéis de nossas buzinas.

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